sexta-feira, setembro 26, 2008

CRÔNICA DE AMOR (Arnaldo Jabour)


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário, os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece a razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Ninguém ama uma pessoa por que ela é educada, veste-se bem ou curte Caetano. Isso são referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou secar...
Você gosta de rock e ela de funk, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e o que ela detesta é o Reveillon. Nem no ódio vocês combinam.

Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD. Você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome...
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca (ah... a química!) você derrete feito manteiga. Ele toca gaita, adora animais e escreve poemas. Por que você ama esse cara?

Não pergunte pra mim.

Você é inteligente, lê livros, revistas, jornais; gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica tem seu valor; é bonita, seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e o seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo...
Com um currículo desse, criatura, porque está sem um amor?...
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC.
Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos montes, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família tá assim ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é...
Pense nisso. Ou melhor, não pense e vá em frente...

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